O silêncio era a marca registrada de
Otávio. Nunca falava com ninguém. Mesmo assim aprontava. Gostava de se passar
por vítima, mas na verdade adorava executar crimes.
O seu crime predileto era assaltar
cuecas. Fazia de tudo para adquiri-las para si. Certa noite, Otávio pulou o
muro de seu vizinho e de cara furtou três cuecas pretas que se encontravam
expostas no varal. Justamente as cuecas que mais atraíam mulheres! Otávio não
gostava de mulheres. Sentia asco.
Em outra noite, a sua cara de pau foi
maior: ao roubar todas as cuecas sujas do seu outro vizinho, Otávio trancou-se
no seu quarto e passou a cheirá-las incansavelmente. Sujas! As cuecas estavam
sujas! Otávio teve a coragem de roubá-las e de passar horas com as narinas
sugando aquele cheiro de sujo, testosterona e suor. Como ele adorava o cheiro de suor! Otávio
dava tudo por uma cueca bem suja e suada.
Outra noite não teve sorte. Ao tentar
invadir o quintal do seu vizinho da frente, eis que nosso furtador de peças
íntimas masculinas se depara com o próprio vizinho. Não pode ser!, pensou
Otávio. Pela primeira vez era flagrado assaltando aquilo que mais lhe
transmitia prazer: cuecas. E pretas. E sujas. E testosteronizadas. E suadas.
Percebeu que o seu mundo, pobre mundo, agora pertencia ao vizinho da frente que
o flagrou com a cueca na botija.
- O que você deseja, Otávio? Falava o
homem com voz firme, forte e grave. Posso ajudá-lo com alguma coisa?
O homem se aproximava. Otávio
assustava-se. Seu vizinho era alto, másculo e dava medo.
- Apenas pretendia roubar suas
cuecas. (Otávio foi categórico. Assumiu o delito que iria cometer).
- Para que diabos você deseja as
minhas cuecas e se você pode levar-me consigo?
Como assim? Aquele homem estava
interessado num cleptomaníaco? Logo Otávio que adorava roubar cuecas?
Sim. Otávio despertara no homem um
prazer sexual indescritível. Respondeu ao alto e forte homem:
- Posso levar-te mesmo? Olha que eu
sou exigente. Lavo, passo e cozinho. Não abro mão de uma boa cueca suja, hein?!
- Serei todo seu, Otávio! Não terás
uma boa cueca e, sim, uma bela de uma pica invadindo estes solos gordos e
atraentes que guardas aí, bem abaixo!
Pela primeira vez o crime virou
contra o crimoso: Otávio sentiu seu coração ser furtado por aquele homem que
não sabe nem ao menos o nome.
Amaram-se aquela noite. Otávio não se
importou com as cuecas. Estava ocupado com outras coisas. Tinha outros dons
(além, é claro, de roubar e cheirar cuecas).
E foi assim que Otávio se esqueceu
das cuecas e tornou-se o ser mais falante do mundo: passou a desfrutar de
prazeres e líquidos até então desconhecidos.
Aquele homem despertara nele o seu
mais ínfimo desejo: ser surrado, amado e libertado. Surrado de prazer. Amado
por alguém atraente, forte e áureo. Libertado da obsessão por cuecas.
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