quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A eterna poesia de Ana Cristina Cesar

''Também eu saio à revelia e procuro uma síntese nas demoras. Cato obsessões com fria têmpera e digo do coração: não soube. 
digo da palavra: não digo (não posso ainda acreditar na vida) e demito o verso como quem acena e vivo como quem despede a raiva de ter visto.''
(Psicografia - Ana Cristina Cesar)


    Considerada uma das grandes revelações da poesia, Ana Cristina Cesar destacou-se por apresentar um estilo poético ousado, inovador e singular. Desde que surgiu na década de 1970, é uma das representantes da poesia marginal. Foi poetisa e tradutora. 

    Ana Cristina Cesar nasceu no dia 2 de junho de 1952, no Rio de Janeiro. Desde muito pequena, ela costumava ditar poemas para sua mãe, Maria Luíza. De família culta e protestante, em 1969 a autora viaja à Inglaterra para um intercâmbio e passa um período em Londres, onde conhece e fascina-se pela Literatura Inglesa. 

    Quando retorna ao Brasil, ingressa na faculdade de Letras aos dezenove anos. Nos anos 70, começa a publicar suas prosas poéticas em jornais e revistas. De forma independente, seus primeiros livros são publicados: Cenas de AbrilCorrespondência Completa. Ana Cristina se dedica à pesquisa literária e torna-se mestre em Comunicação. Retorna à Inglaterra para um mestrado em Tradução Literária. Em 1980, de volta ao Brasil, lança Luvas de Pelica. Obra que escreveu enquanto estava na Inglaterra. 

A poetisa e tradutora Ana Cristina Cesar
    Ana Cristina Cesar nos brinda com obras espetaculares. O tom verídico e pessoal tornam suas composições inigualáveis. A autora sempre nos apresenta uma dualidade em que a ficção e a autobiografia se unem para um epílogo perfeito. Sua última obra, A Teus Pés, nos deleita com poemas que misturam-se com a prosa, em uma linguagem íntima, que fascinam pelo seu tino confessional, por tratar do cotidiano de modo construtivo e realista.

A Teus Pés: última obra de Ana Cristina Cesar
    Em 1983, Ana Cristina Cesar cometeu suicídio aos trinta e um anos de idade. Atirou-se do oitavo andar do apartamento de seus pais, em Copacabana. Deixou sua marca dentro do âmbito literário brasileiro. Uma marca eterna. Uma eterna Ana Cristina Cesar.

Abaixo alguns escritos da autora:



Poesia

jardins inabitados pensamentos
pretensas palavras em
pedaços
jardins ausenta-se
a lua figura de
uma falta contemplada
jardins extremos dessa ausência
de jardins anteriores que
recuam
ausência frequentada sem mistério
céu que recua
sem pergunta.



Deus na Antecâmara

Mereço (merecemos, meretrizes)
perdão (perdoai-nos, patres conscripti)
socorro (correi, valei-nos, santos perdidos)

Eu quero me livrar desta poesia infecta
beijar mãos sem elos sem tinturas
consciências soltas pelos ventos
desatando o culto das antecedências
sem medo de dedos de dados de dúvidas
em prontidão 
sanguinária
(sangue e amor se aconchegando
hora atrás de hora)

Eu quero pensar ao apalpar
eu quero dizer ao conviver
eu quero partir ao repartir

filho
pai
e
fogo
DE-LI-BE-RA-DA-MEN-TE
abertos ao tudo inteiro
maiores que o todo nosso
em nós (com a gente) se dando

HOMEM: ACORDA!



Soneto

Pergunto aqui se sou louca 
Quem quer saberá dizer 
Pergunto mais, se sou sã 
E ainda mais, se sou eu 

Que uso o viés pra amar 
E finjo fingir que finjo 
Adorar o fingimento 
Fingindo que sou fingida 

Pergunto aqui meus senhores 
quem é a loura donzela 
que se chama Ana Cristina 

E que se diz ser alguém 
É um fenômeno mor.

Um comentário:

  1. Gostei dessa parte: "E finjo fingir que finjo
    Adorar o fingimento
    Fingindo que sou fingida "

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