''Também eu saio à revelia e procuro uma síntese nas demoras. Cato obsessões com fria têmpera e digo do coração: não soube.
E digo da palavra: não digo (não posso ainda acreditar na vida) e demito o verso como quem acena e vivo como quem despede a raiva de ter visto.''
(Psicografia - Ana Cristina Cesar)
Considerada uma das grandes revelações da poesia, Ana Cristina Cesar destacou-se por apresentar um estilo poético ousado, inovador e singular. Desde que surgiu na década de 1970, é uma das representantes da poesia marginal. Foi poetisa e tradutora.
Ana Cristina Cesar nasceu no dia 2 de junho de 1952, no Rio de Janeiro. Desde muito pequena, ela costumava ditar poemas para sua mãe, Maria Luíza. De família culta e protestante, em 1969 a autora viaja à Inglaterra para um intercâmbio e passa um período em Londres, onde conhece e fascina-se pela Literatura Inglesa.
Quando retorna ao Brasil, ingressa na faculdade de Letras aos dezenove anos. Nos anos 70, começa a publicar suas prosas poéticas em jornais e revistas. De forma independente, seus primeiros livros são publicados: Cenas de Abril e Correspondência Completa. Ana Cristina se dedica à pesquisa literária e torna-se mestre em Comunicação. Retorna à Inglaterra para um mestrado em Tradução Literária. Em 1980, de volta ao Brasil, lança Luvas de Pelica. Obra que escreveu enquanto estava na Inglaterra.
A poetisa e tradutora Ana Cristina Cesar |
Ana Cristina Cesar nos brinda com obras espetaculares. O tom verídico e pessoal tornam suas composições inigualáveis. A autora sempre nos apresenta uma dualidade em que a ficção e a autobiografia se unem para um epílogo perfeito. Sua última obra, A Teus Pés, nos deleita com poemas que misturam-se com a prosa, em uma linguagem íntima, que fascinam pelo seu tino confessional, por tratar do cotidiano de modo construtivo e realista.
A Teus Pés: última obra de Ana Cristina Cesar |
Em 1983, Ana Cristina Cesar cometeu suicídio aos trinta e um anos de idade. Atirou-se do oitavo andar do apartamento de seus pais, em Copacabana. Deixou sua marca dentro do âmbito literário brasileiro. Uma marca eterna. Uma eterna Ana Cristina Cesar.
Abaixo alguns escritos da autora:
Poesia
jardins inabitados pensamentos
pretensas palavras em
pedaços
jardins ausenta-se
a lua figura de
uma falta contemplada
jardins extremos dessa ausência
de jardins anteriores que
recuam
ausência frequentada sem mistério
céu que recua
sem pergunta.
Deus na Antecâmara
Mereço (merecemos, meretrizes)
perdão (perdoai-nos, patres conscripti)
socorro (correi, valei-nos, santos perdidos)
Eu quero me livrar desta poesia infecta
beijar mãos sem elos sem tinturas
consciências soltas pelos ventos
desatando o culto das antecedências
sem medo de dedos de dados de dúvidas
em prontidão
sanguinária
(sangue e amor se aconchegando
hora atrás de hora)
Eu quero pensar ao apalpar
eu quero dizer ao conviver
eu quero partir ao repartir
filho
pai
e
fogo
DE-LI-BE-RA-DA-MEN-TE
abertos ao tudo inteiro
maiores que o todo nosso
em nós (com a gente) se dando
HOMEM: ACORDA!
Soneto
Pergunto aqui se sou louca
Quem quer saberá dizer
Pergunto mais, se sou sã
E ainda mais, se sou eu
Que uso o viés pra amar
E finjo fingir que finjo
Adorar o fingimento
Fingindo que sou fingida
Pergunto aqui meus senhores
quem é a loura donzela
que se chama Ana Cristina
E que se diz ser alguém
É um fenômeno mor.
Gostei dessa parte: "E finjo fingir que finjo
ResponderExcluirAdorar o fingimento
Fingindo que sou fingida "